quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

1989 - Beija Flor de Nilópolis - "Ratos e Urubus, larguem minha fantasia"

"Quem gosta de miséria é intelectual, pobre gosta de luxo"




A frase, proferida por Joãosinho Trinta, um dos maiores carnavalescos da História, falecido em dezembro de 2011, resume bem o que foi esse desfile, assunto de hoje do blog.
O longo desfile do carnaval 1989, com 18 escolas no grupo principal, trasmitido pelas redes Globo e Manchete, caminhava para seu desfecho e, até aquele momento, algumas escolas tinham realizado desfiles bastante elogiados, mas nada comparado ao que aconteceria naquela manhã de terça-feira, com a passagem da Beija Flor de Nilópolis.
O desfile de domingo 05 de fevereiro não teve muitas surpresas, a não ser pela passagem da União da Ilha, que tomou um "porre de felicidade" e contagiou o público do Sambódromo, e o Salgueiro, que comemorou o centenário da Abolição com um ano de atraso no enredo "Templo negro em tempo de consciência negra". Na segunda 06 de fevereiro, o destaque havia sido para a Imperatriz Leopoldinense, que se sagrou campeã com um desfile irretocável e o samba inesquecível "Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós". A noite foi aberta pela Unidos do Jacarezinho, vice-campeã do grupo II em 1988, seguida pela Imperatriz, Unidos da Tijuca, São Clemente, Estácio de Sá, Vila Isabel (que defendia o título), Portela, Beija Flor e Império Serrano. A escola de Nilópolis, oitava a desfilar, entrou por volta das 7 da manhã, e foi muito aguardada, principalmente pela polêmica que a envolveu nas vésperas do carnaval.A Igreja havia entrado na Justiça proibindo a imagem do Cristo Redentor no abre-alas da escola. Como uma forma de protesto, Joãosinho Trinta trouxe a imagem coberta por sacos de lixo com os dizeres "Mesmo proibido, olhai por nós" e cercada por dezenas de mendigos. Quando a azul-e-branco de Nilópolis entrou na Sapucaí, o público assistiu extasiado a sua passagem, de uma forma jamais vista. Era o "lixo do luxo e o luxo do lixo", como a sinopse do enredo descrevia. Em suma, era uma resposta de Joãosinho às críticas de que só realizava desfiles grandiosos e luxuosos, como de fato era praxe nas passagens da Beija Flor a partir da sua chegada, em 1976.
Um início de desfile com farrapos e sucatas, mendigos que invadiam o Sambódromo em nada lembrando as costumeiras apresentações da escola. A partir do terceiro carro, o desfile começou a ganhar cores e aparecer o luxo. Os setores eram divididos com críticas bastante ácidas à Igreja, à imprensa, à política (o carro trazia uma réplica do prédio do Congresso Nacional), ao lixo do sexo e da guerra (representação dos 4 cavaleiros do apocalipse). À medida que a escola ia evoluindo, o público acompanhava a apresentação entusiasmado, ajudado pelo samba que, apesar de não ser nenhuma obra-prima, era bastante contagiante. Durante a passagem da Beija-Flor, os portões do Sambódromo foram abertos e o público que se aglomerava do lado de fora pode ocupar os espaços vazios das arquibancadas. Um fato inédito que jamais foi repetido. O final apoteótico com o público saudando a escola com gritos de "é campeã!". Uma manhã de carnaval inesquecível!





A Beija Flor acabou terminando na 2ª colocação, com o mesmo total de pontos da Imperatriz (210), porém fora aplicado o critério de desempate que deu o título à verde-e-branco. A Imperatriz de fato fez uma apresentação memorável e mereceu o título, mas o desfile da Beija Flor foi o que marcou aquele ano e entrou para a História.

Joãosinho Trinta ainda esteve à frente da Beija-Flor por mais 3 carnavais. Em 1994, estreou na Unidos do Viradouro, onde conquistou seu último título - e único da escola de Niterói - em 1997, com "Trevas! Luz! A explosão do universo". Mas isso é assunto para um outro post.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

1984 - Portela - "Contos de Areia"

Samba inesquecível no último campeonato da Portela.



O carnaval de 1984 foi marcante para o mundo do samba. Depois de anos montando e desmontando arquibancadas de ferro em diferentes pontos da cidade, finalmente as escolas de samba ganhavam um espaço próprio para realizar seus desfiles. 
O Sambódromo, como é popularmente conhecida a Passarela do Samba até os dias de hoje, começou a tomar forma em meados de 1983, durante o governo de Leonel Brizola. O projeto foi encomendado ao arquiteto Oscar Niemeyer, falecido recentemente, e concluído em cerca de cinco meses. A Marquês de Sapucaí, que já abrigava os desfiles desde 1978, foi o local escolhido para as obras e as escolas teriam uma novidade ao final de suas apresentações: a Praça da Apoteose, espaço que teriam de ocupar estando mais próximas do público. O regulamento também foi modificado: o desfile passaria a ser realizado em duas noites - domingo e segunda-feira - com sete escolas por noite e um corpo de jurados diferente para cada dia e mais um para o sábado seguinte, no chamado supercampeonato (com as três primeiras colocadas de cada dia mais as duas primeiras colocadas do grupo 1-B). Esta regra só valeu de fato para este primeiro carnaval no Sambódromo. A saudosa Rede Manchete foi a responsável exclusiva pela transmissão dos desfiles. As escolas do Grupo 1-A (designação do Grupo Especial na época) desfilaram nos dias 4 e 5 de março.
O desfile que iremos lembrar hoje foi o campeão da primeira noite. A Portela conquistou seu último campeonato invocando os orixás e prestando homenagem a três figuras de suma importância para sua história: Paulo da Portela, Natal e Clara Nunes, que havia falecido no ano anterior.
A azul e branca de Madureira iniciou seu desfile já na manhã de segunda-feira, por volta das 6hs, após as apresentações de Unidos da Tijuca, Império da Tijuca, Caprichosos de Pilares, Salgueiro e União da Ilha. Com um contingente aproximado de 6.000 componentes (um exagero para a época), a escola pisou na Passarela firme. No esquenta, muita emoção com o minuto de silêncio em respeito à morte de Clara Nunes - aquele seria o primeiro desfile da Portela sem a presença da cantora.
A águia, símbolo maior da escola, veio como se tivesse emergindo do mar, apenas mostrando a cabeça. O desfile começou na Bahia, berço dos orixás. Em seguida, o desfile foi dividido em partes, começando pela homenagem ao fundador Paulo da Portela, criador do mundo azul-e-branco, com o orixá Oranian. Para homenagear Natal, foi lembrada a figura do orixá Oxossi. E finalizando com a homenagem à Clara Nunes, com a figura do seu orixá Iansã, com alusão aos ventos e tempestades, trazendo também as congadas e reisados de Minas Gerais, terra da homenageada. O final do desfile foi emocionante, com uma nova águia no setor chamado "Portela na avenida", por acaso canção gravada pela cantora e que por muitos anos embalou os esquentas da bateria da escola.
A passagem arrebatadora da Portela culminou com o campeonato do desfile de domingo, a frente do Império Serrano (segunda colocada, que desfilou em seguida) e da surpresa Caprichosos de Pilares. As três participariam do super-campeonato no sábado.

O samba é memorável. Apesar do desfile ter sido transmitido apenas pela Rede Manchete - que encerrou suas atividades em 1999 e muito de seu material foi perdido - temos a felicidade de poder ver os momentos deste carnaval em vídeos na Internet.



Tive a oportunidade de ver a Tradição reeditando este maravilhoso samba no carnaval de 2004. Emocionante apresentação debaixo de chuva, abrindo a segunda noite de desfiles, com o samba sendo cantado por todo o Sambódromo. De arrepiar!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

1985 - Mocidade - "Ziriguidum 2001 - um carnaval nas estrelas"

Simplesmente sensacional!




1985 foi um ano mítico para o Brasil. Após 21 anos de ditadura militar, tinha início um período de redemocratização, apesar de ainda não ser possível votar para presidente, o que só viria a acontecer quatro anos depois. Tancredo Neves foi eleito o primeiro presidente civil do país de forma indireta, porém não chegou a tomar posse vindo a falecer e causando comoção nacional.
Esse seria o segundo carnaval no Sambódromo e o primeiro sob a administração da Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA), criada em julho do ano anterior. Dezesseis escolas desfilariam pelo Grupo 1-A (designação do Grupo Especial naquela ocasião), sendo oito escolas em cada noite e com um único corpo de jurados para os dois dias. Lembrando que, no carnaval de 1984, ano da inauguração da Passarela do Samba, havia um corpo de jurados para domingo e outro diferente para segunda-feira, e diferentes regras que culminaram com o supercampeonato da Mangueira.
Domingo, 17 de fevereiro. O desfile foi transmitido por três emissoras: Globo, Manchete e Bandeirantes e foi aberto pela Em Cima da Hora, seguida pela Unidos do Cabuçu, Império da Tijuca, Salgueiro, União da Ilha, Vila Isabel, Mangueira - que defendia o título - e a Mocidade, que iniciou seu desfile já por volta das 08h15 da manhã.
A Mocidade se apresentou de uma forma arrebatadora e, com muitos méritos, se tornou a campeã daquele ano. O carnavalesco Fernando Pinto estava inspiradíssimo e preparou um carnaval impecável, com alegorias e fantasias maravilhosas que causaram impacto e levantaram o público.
Alegorias representando o sistema solar, com muitos efeitos e movimentos e focos nas cores branco e prata, que reluziam a luz do sol. Comissão de frente trazendo robozinhos com a bandeira do Brasil. Baianas com asas, capacetes e antenas, uma inovação espetacular. Bateria sensacional vestida de astronautas trazendo as famosas paradinhas. Para fechar o desfile, a "nave-mãe", trazendo os sambistas de volta do "carnaval nas estrelas" - um carro acoplado, que era uma novidade para a época. Ovacionada na Praça da Apoteose, a escola de Padre Miguel fechou seu desfile deixando o público e a crítica especializada com a certeza de ter realizado uma apresentação histórica.

O samba ficou marcado naquele ano e até hoje é lembrado.

"Vou à lua, vou ao sol, vai a nave ao som do samba..."

Aquela manhã de segunda-feira de carnaval foi mágica, um despertar para o futuro.. e pensar que já passamos de 2001... quem sabe em 3001 teremos um carnaval nas estrelas... não custa sonhar! (aliás, como a própria Mocidade cantou sete anos depois).



E na noite de segunda-feira, ainda desfilaram mais 8 escolas com destaque para a Caprichosos de Pilares, que fez um desfile inesquecível. "E por falar em saudade" foi vencedor do Estandarte de Ouro e deu a honrosa quinta colocação para a simpática agremiação de Pilares. Mas isso é assunto para um outro post.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

1969 - Salgueiro - "Bahia de todos os deuses"

Só tenho uma frase para iniciar este post... "eu gostaria muito de ter visto este desfile".





Fevereiro de 1969. Em plena ditadura militar, apenas alguns meses após o decreto do Ato Institucional 5 (AI-5) que deu início ao período mais turbulento da História recente do Brasil, chegava mais um carnaval. As escolas de samba se preparavam para apresentar mais um espetáculo e, naquela ocasião, o cenário era a Avenida Presidente Vargas, tendo início na Candelária. Dez escolas de samba se apresentariam no domingo 16 de fevereiro. Naquela época, o desfile era realizado em apenas um dia e, por vezes, terminava após o meio-dia de segunda feira, em uma verdadeira maratona.
O ano trouxe obras-primas memoráveis como "Heróis da Liberdade", que Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Manoel Ferreira compuseram para o Império Serrano; "Yayá do cais dourado", de Martinho da Vila, da Unidos de Vila Isabel; "Brasil, flor amorosa de três raças", da Imperatriz Leopoldinense; e, claro, o samba que dá título ao post.
Samba clássico do Salgueiro, que deu o quarto título à escola, de autoria de Bala e Manuel Rosa, que canta as belezas da Bahia, focando na religiosidade latente naquela terra. No desfile, ele foi cantado por Elza Soares com sua voz marcante.
A escola iniciou seu desfile próximo ao meio-dia, um calor forte como de costume no verão do Rio de Janeiro. O inesquecível abre-alas trouxe uma Iemanjá de cerca de 3 metros de altura (foto acima), feita em papel-machê e gotas de espelho que formaram uma cascata de luz que refletia o forte sol daquela manhã. Um momento único, que teve poucos registros de imagem. A escola finalizou o desfile de 1969 levantando o público e consagrando os carnavalescos Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues. Mais um título para a Academia do Samba!

Bahia, os meus olhos estão brilhando
Meu coração palpitando
De tanta felicidade
És a rainha da beleza universal
Minha querida Bahia
Muito antes do Império
Foste a primeira capital
Preto Velho Benedito já dizia
Felicidade também mora na Bahia
Tua história, tua glória
Teu nome é tradição
Bahia do velho mercado
Subida da Conceição
És tão rica em minerais
Tens cacau, tens carnaúba
Famoso jacarandá
Terra abençoada pelos deuses
E o petróleo a jorrar
Nega baiana
Tabuleiro de quindim
Todo dia ela está
Na igreja da Bonfim, oi
Na ladeira tem, tem capoeira

Zum, zum, zum
Zum, zum, zum
Capoeira mata um! (bis)


Em tempo: Antes, o Salgueiro havia sido campeão em 1960 ("Quilombo dos Palmares"), dividindo o título com outras quatro escolas: Portela, Mangueira, Unidos da Capela e Império Serrano; em 1963 ("Chica da Silva") e em 1965 ("História do carnaval carioca").

Comecei o post falando que gostaria de ter visto este desfile, assim como tantos outros dos anos 1960, 1970 e 1980.
De certa forma, tive a oportunidade de ver a Tradição reeditando este samba no Grupo de Acesso em 2006 e me emocionei quando a última alegoria trouxe a bandeira do Salgueiro, prestando uma merecida homenagem.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Para começar!

Moro no Rio de Janeiro, tenho 32 anos (quase 33), historiador e consultor de viagens, um apaixonado pelo carnaval, mais especificamente pelo desfile das escolas de samba, que acompanho desde bem pequeno, acho até que desde quando nem entendia exatamente do que se tratava. Pela TV, do que minha memória consegue lembrar, acho que comecei a assistir no final dos anos 1980. Ao vivo no Sambódromo, comecei em 2000 e desde então todos os anos estou lá religiosamente. Torço pelo Salgueiro mas tenho simpatia por outras escolas e reconheço quando a minha não faz um bom desfile. Considero desfiles memoráveis de outras escolas, me emociono com desfiles antigos - que sempre assisto graças a Internet e aprecio os sambas, seja de qual escola for. É bem verdade que muita gente diz que os sambas de hoje não chegam nem aos pés daqueles clássicos de 40 ou 50 anos atrás, porém, como passei a acompanhar o samba já com esse andamento e o desfile como um espetáculo de magnitude internacional, foi assim que fui conquistado.

O nome do blog, também título do enredo da Portela em 1979, sintetiza a minha impressão do carnaval. Todo ano é uma emoção diferente quando chego na Sapucaí e ouço os primeiros acordes das baterias maravilhosas. Parece sempre a primeira vez!

Neste espaço vou escrever um pouco sobre carnavais antigos, mostrar minhas opiniões sobre o tema, modestamente ser uma fonte de consulta, permitindo receber críticas e comentários daqueles que também são amantes do carnaval, como eu.

Sejam bem-vindos a este humilde espaço, apertem os cintos e façam uma viagem ao mundo maravilhoso do carnaval que me conquistou e espero conquistar vocês também!