A frase, proferida por Joãosinho Trinta, um dos maiores carnavalescos da História, falecido em dezembro de 2011, resume bem o que foi esse desfile, assunto de hoje do blog.
O longo desfile do carnaval 1989, com 18 escolas no grupo principal, trasmitido pelas redes Globo e Manchete, caminhava para seu desfecho e, até aquele momento, algumas escolas tinham realizado desfiles bastante elogiados, mas nada comparado ao que aconteceria naquela manhã de terça-feira, com a passagem da Beija Flor de Nilópolis.
O desfile de domingo 05 de fevereiro não teve muitas surpresas, a não ser pela passagem da União da Ilha, que tomou um "porre de felicidade" e contagiou o público do Sambódromo, e o Salgueiro, que comemorou o centenário da Abolição com um ano de atraso no enredo "Templo negro em tempo de consciência negra". Na segunda 06 de fevereiro, o destaque havia sido para a Imperatriz Leopoldinense, que se sagrou campeã com um desfile irretocável e o samba inesquecível "Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós". A noite foi aberta pela Unidos do Jacarezinho, vice-campeã do grupo II em 1988, seguida pela Imperatriz, Unidos da Tijuca, São Clemente, Estácio de Sá, Vila Isabel (que defendia o título), Portela, Beija Flor e Império Serrano. A escola de Nilópolis, oitava a desfilar, entrou por volta das 7 da manhã, e foi muito aguardada, principalmente pela polêmica que a envolveu nas vésperas do carnaval.A Igreja havia entrado na Justiça proibindo a imagem do Cristo Redentor no abre-alas da escola. Como uma forma de protesto, Joãosinho Trinta trouxe a imagem coberta por sacos de lixo com os dizeres "Mesmo proibido, olhai por nós" e cercada por dezenas de mendigos. Quando a azul-e-branco de Nilópolis entrou na Sapucaí, o público assistiu extasiado a sua passagem, de uma forma jamais vista. Era o "lixo do luxo e o luxo do lixo", como a sinopse do enredo descrevia. Em suma, era uma resposta de Joãosinho às críticas de que só realizava desfiles grandiosos e luxuosos, como de fato era praxe nas passagens da Beija Flor a partir da sua chegada, em 1976.
Um início de desfile com farrapos e sucatas, mendigos que invadiam o Sambódromo em nada lembrando as costumeiras apresentações da escola. A partir do terceiro carro, o desfile começou a ganhar cores e aparecer o luxo. Os setores eram divididos com críticas bastante ácidas à Igreja, à imprensa, à política (o carro trazia uma réplica do prédio do Congresso Nacional), ao lixo do sexo e da guerra (representação dos 4 cavaleiros do apocalipse). À medida que a escola ia evoluindo, o público acompanhava a apresentação entusiasmado, ajudado pelo samba que, apesar de não ser nenhuma obra-prima, era bastante contagiante. Durante a passagem da Beija-Flor, os portões do Sambódromo foram abertos e o público que se aglomerava do lado de fora pode ocupar os espaços vazios das arquibancadas. Um fato inédito que jamais foi repetido. O final apoteótico com o público saudando a escola com gritos de "é campeã!". Uma manhã de carnaval inesquecível!
A Beija Flor acabou terminando na 2ª colocação, com o mesmo total de pontos da Imperatriz (210), porém fora aplicado o critério de desempate que deu o título à verde-e-branco. A Imperatriz de fato fez uma apresentação memorável e mereceu o título, mas o desfile da Beija Flor foi o que marcou aquele ano e entrou para a História.
Joãosinho Trinta ainda esteve à frente da Beija-Flor por mais 3 carnavais. Em 1994, estreou na Unidos do Viradouro, onde conquistou seu último título - e único da escola de Niterói - em 1997, com "Trevas! Luz! A explosão do universo". Mas isso é assunto para um outro post.