O carnaval de 1984 foi marcante para o mundo do samba. Depois de anos montando e desmontando arquibancadas de ferro em diferentes pontos da cidade, finalmente as escolas de samba ganhavam um espaço próprio para realizar seus desfiles.
O Sambódromo, como é popularmente conhecida a Passarela do Samba até os dias de hoje, começou a tomar forma em meados de 1983, durante o governo de Leonel Brizola. O projeto foi encomendado ao arquiteto Oscar Niemeyer, falecido recentemente, e concluído em cerca de cinco meses. A Marquês de Sapucaí, que já abrigava os desfiles desde 1978, foi o local escolhido para as obras e as escolas teriam uma novidade ao final de suas apresentações: a Praça da Apoteose, espaço que teriam de ocupar estando mais próximas do público. O regulamento também foi modificado: o desfile passaria a ser realizado em duas noites - domingo e segunda-feira - com sete escolas por noite e um corpo de jurados diferente para cada dia e mais um para o sábado seguinte, no chamado supercampeonato (com as três primeiras colocadas de cada dia mais as duas primeiras colocadas do grupo 1-B). Esta regra só valeu de fato para este primeiro carnaval no Sambódromo. A saudosa Rede Manchete foi a responsável exclusiva pela transmissão dos desfiles. As escolas do Grupo 1-A (designação do Grupo Especial na época) desfilaram nos dias 4 e 5 de março.
O desfile que iremos lembrar hoje foi o campeão da primeira noite. A Portela conquistou seu último campeonato invocando os orixás e prestando homenagem a três figuras de suma importância para sua história: Paulo da Portela, Natal e Clara Nunes, que havia falecido no ano anterior.
A azul e branca de Madureira iniciou seu desfile já na manhã de segunda-feira, por volta das 6hs, após as apresentações de Unidos da Tijuca, Império da Tijuca, Caprichosos de Pilares, Salgueiro e União da Ilha. Com um contingente aproximado de 6.000 componentes (um exagero para a época), a escola pisou na Passarela firme. No esquenta, muita emoção com o minuto de silêncio em respeito à morte de Clara Nunes - aquele seria o primeiro desfile da Portela sem a presença da cantora.
A águia, símbolo maior da escola, veio como se tivesse emergindo do mar, apenas mostrando a cabeça. O desfile começou na Bahia, berço dos orixás. Em seguida, o desfile foi dividido em partes, começando pela homenagem ao fundador Paulo da Portela, criador do mundo azul-e-branco, com o orixá Oranian. Para homenagear Natal, foi lembrada a figura do orixá Oxossi. E finalizando com a homenagem à Clara Nunes, com a figura do seu orixá Iansã, com alusão aos ventos e tempestades, trazendo também as congadas e reisados de Minas Gerais, terra da homenageada. O final do desfile foi emocionante, com uma nova águia no setor chamado "Portela na avenida", por acaso canção gravada pela cantora e que por muitos anos embalou os esquentas da bateria da escola.
A passagem arrebatadora da Portela culminou com o campeonato do desfile de domingo, a frente do Império Serrano (segunda colocada, que desfilou em seguida) e da surpresa Caprichosos de Pilares. As três participariam do super-campeonato no sábado.
O samba é memorável. Apesar do desfile ter sido transmitido apenas pela Rede Manchete - que encerrou suas atividades em 1999 e muito de seu material foi perdido - temos a felicidade de poder ver os momentos deste carnaval em vídeos na Internet.
Tive a oportunidade de ver a Tradição reeditando este maravilhoso samba no carnaval de 2004. Emocionante apresentação debaixo de chuva, abrindo a segunda noite de desfiles, com o samba sendo cantado por todo o Sambódromo. De arrepiar!
Nenhum comentário:
Postar um comentário